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Renato Haidamous

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setembro 04, 2018

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A fotografia e o conflito entre direito de autor e direito de imagem

Por Renato Haidamous Rampazzo

 

O direito de autor e o direito de imagem tomaram posição de destaque na mídia recentemente, a partir da divulgação de um caso interessante. A escritora sul-africana Shubnum Khan repentinamente tornou-se “garota-propaganda” de diversas campanhas publicitárias ao redor do mundo, sem que tivesse conhecimento sobre o uso das fotos tiradas de si muitos anos antes[1].

Em diversas campanhas, a escritora teve o seu nome e identidade alterados e sua imagem manipulada. O rosto de Shubnum foi encontrado desde em campanhas sobre imigração no Canadá até em propagandas de “antes e depois” de uma mulher com melasma pós-parto.

Depois de muita investigação, a escritora descobriu que suas imagens estavam sendo comercializadas em bancos de imagem ao redor do mundo. Recordou-se de que as fotos provinham de um ensaio fotográfico do qual participara anos antes e no qual, em letras miúdas, teria consentido com o uso de suas imagens pelo fotógrafo, praticamente para todos e quaisquer fins.

Do ponto de vista jurídico, esse caso é instigante. O fotógrafo poderia ter feito isso? Quem é o proprietário das fotos, o fotógrafo ou a pessoa retratada? A pessoa pode ceder ou autorizar o uso de sua imagem para quaisquer fins, com cláusulas amplas e sem prazo definido?

Neste artigo, endereçarei algumas dessas questões, verdadeiras preocupações que tivemos ao elaborar o Termo de Autorização de Uso de Imagem disponível no Lexio.

 

Direito de autor vs direito de imagem

No Brasil, a fotografia tem proteção própria de direito autoral, conforme art. 7º, VII, da Lei n. 9.610/1998 (Lei de Direito Autorais):

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

 

Uma distinção já consolidada nos tribunais brasileiros é que o fotógrafo é quem possui o direito de autor sobre a fotografia, enquanto o fotografado possui apenas direitos de personalidade (imagem, honra, intimidade). Assim, independentemente dos meios técnicos utilizados, a foto que retrata uma pessoa sempre será de propriedade do fotógrafo, pois ele é seu autor, criador da obra artística (direito de autor); enquanto o fotografado possui apenas o direito de imagem sobre si (direito da personalidade)[2].

Nesse cenário, para que o fotógrafo possa divulgar a foto que tirou de outra pessoa, sem ferir o seu direito de imagem, é necessário que:

  • obtenha o seu consentimento (via Termo de Autorização de Uso de Imagem); ou
  • a divulgação não tenha fins econômicos ou comerciais[3], e haja um interesse social relevante na divulgação (ex. finalidade jornalística), sem que a honra da pessoa fotografada seja atacada. Vale destacar que essa hipótese é bastante casuística (avaliada caso a caso), nem sempre sendo tão claro o que é permitido. Por esse motivo, focarei o presente artigo apenas na primeira hipótese, em que há consentimento da pessoa fotografada.

 

Consentimento: Termo de autorização de uso de imagem

Sem dúvidas, a forma juridicamente mais segura de utilizar as fotografias que retratam pessoas é obter o seu consentimento. Isso porque o direito de imagem das pessoas é disponível. Vale ressaltar que disponível não deve ser confundido com alienável – o direito de imagem não pode ser alienado (cedido ou vendido), mas pode ser disponibilizado (ter o seu uso autorizado, gratuitamente ou mediante remuneração). Assim, fala-se sempre em “autorização” ou “licença” do direito de uso da imagem, e não “cessão”. Veja-se o artigo 20 do Código Civil:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Nesse sentido, é recomendado que o fotógrafo sempre peça ao fotografado que assine por escrito um Termo de Autorização de Uso de Imagem, no qual se discriminam os usos que estão sendo autorizados, se a autorização é gratuita ou onerosa, o prazo de validade da autorização, entre outros.

Vale lembrar que, no caso de menores de idade, o responsável legal deverá conceder tal autorização. Além disso, há uma série de restrições legais relativas à divulgação da imagem de crianças e adolescentes, cuja preservação é de extrema importância[4]. Por exemplo, é proibida a exibição de imagens de crianças e adolescentes a que se atribua uma infração, mesmo para fins jornalísticos, ou, evidentemente, imagens com conteúdo sexual.

 

E o Termo de Autorização de Uso de Imagem pode autorizar tudo?!

No caso da escritora sul-africana relatado acima, supondo que o caso tivesse ocorrido sob as leis brasileiras, será que o termo assinado por ela poderia conter cláusulas tão amplas assim, autorizando todo e qualquer uso de sua imagem?

Certamente não. Uma vez que o direito de imagem é um direito de personalidade, a sua proteção é muito forte e cláusulas abrangentes podem ser consideradas abusivas, especialmente quando afrontam a honra ou a reputação da pessoa fotografada.

Nesse sentido, o Termo de Autorização de Uso de Imagem deve especificar:

  • se a autorização é gratuita ou onerosa (mediante remuneração);
  • o porquê de a imagem ser captada, ou seja, seu objetivo, contexto ou propósito de utilização;
  • os locais onde as imagens poderão ser divulgadas, se no Brasil, em locais específicos ou no mundo todo. Caso as imagens sejam divulgadas na internet, recomenda-se autorizar a divulgação no mundo todo;
  • os formatos e suportes de divulgação (ex. internet, televisão, mídia impressa, entre outros);
  • o prazo de vigência da autorização. Uma vez que o direito de imagem é inalienável, recomenda-se que não sejam criados termos de autorização por prazo “eterno”. Caso conste no termo de autorização um prazo indeterminado, o autorizador poderá revogá-lo a qualquer momento; e
  • se, após o final do prazo ou revogação do termo, haverá algum uso não-comercial específico autorizado da imagem (por exemplo, o que é mais comum, a utilização em portfólios ou a manutenção da imagem no histórico de redes sociais, como Instagram e Facebook).

 

Caso o termo de autorização deixe de especificar algum desses elementos, corre-se o risco de ser considerado abusivo por ser amplo demais ou, pelo contrário, que aquele uso específico da imagem não foi expressamente autorizado.

Para entender melhor, na prática, todas as variações desse documento, confira o Termo de Autorização de Uso de Imagem disponível no Lexio.

 

Referências:

[1] https://veja.abril.com.br/blog/virou-viral/escritora-vira-garota-propaganda-sem-querer-apos-aceitar-termos-de-uso/

[2] Veja-se o trecho do caso Deborah Secco x Playboy decidido no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014:

Porém, em se tratando de fotografia, para efeitos de proteção do direito autoral das obras artísticas, é autor o fotógrafo e não o fotografado, este último titular de outros direitos da personalidade, como a imagem, a honra e a intimidade. É o fotógrafo o detentor da técnica e da inspiração, quem coordena os demais elementos complementares ao retrato do objeto – como iluminação -, é quem capta a oportunidade do momento e o transforma em criação intelectual, digna, portanto, de tutela como manifestação de cunho artístico.

A modelo fotografada não goza de proteção do direito autoral, porque nada cria, dela não emana nenhuma criação do espírito exteriorizada como obra artística. Sua imagem compõe obra artística de terceiros. Portanto, (…) [a modelo] não é titular de direitos autorais oponíveis contra a editora da revista na qual as fotos foram divulgadas.” (Recurso Especial nº 1.322.704/SP, julgado em 23/10/2014)

[3] A Súmula nº 403 do STJ dispõe que “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”

[4] O art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”

Renato Haidamous

renato.haidamous@lexio.legal

Desenvolvedor de produtos jurídicos do Lexio. Advogado e programador. Possui experiência em aconselhamento jurídico e litígios nas áreas de direito civil e comercial, com ênfase em responsabilidade civil, contratos e propriedade intelectual. Sabe programar em Java, JavaScript, HTML5 e CSS3.

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