Fabrício Ramos
setembro 04, 2018
17:16
Por Fabrício Ramos
Quando se pensa em startups, uma das primeiras características que vem à mente é a informalidade. Garagens da família adaptadas em escritórios, reuniões em coworkings que em nada assemelham-se a salas de reunião e fundadores ainda se situando com o fato de serem seus próprios chefes são situações comuns no imaginário dessas empresas. No entanto, essa informalidade, ainda que usual e até necessária, não deve ser vista apenas sob o prisma romantizado e idealizado que normalmente é associado a esse tipo de negócio. A informalidade enseja riscos cuja não mitigação pode sim significar a derrocada do projeto e o fim prematuro de uma ideia potencialmente lucrativa.
Que startup e risco andam juntos, não há novidade. Muitas vezes elas representam ideias disruptivas e modelos de negócio inovadores, ainda não consolidados no mercado, o que por si só já aumenta a incerteza de sucesso. O risco de ser bem recebido e prosperar entre os consumidores é inerente à própria atuação e definição de startup: faz parte do jogo. Entretanto, se riscos podem ser mitigados, das mais diversas maneiras, não há razão para startups não agirem estrategicamente para aumentar suas chances de sucesso.
Mas quais seriam esses riscos da informalidade?
Em especial, há uma categoria de risco muito presente nas startups, principalmente no momento fundacional: o risco da informalidade, ou seja, o risco da sociedade atuar, tomar decisões e adquirir deveres antes da sua formalização em registro.
Informalidade pode gerar assimetria de informação e desalinhamento de objetivos. Fundadores e fundadoras de determinado negócio podem ter ideias diferentes sobre o rumo que a companhia deve seguir, podem possuir expectativas diferentes quanto sua função ao longo prazo e podem não coordenar as ações executadas. Além da perda de eficiência, essa informalidade gera um cenário fosco no horizonte, e pode transmitir falsos sinais do desenvolvimento do negócio. Dessa forma, as sementes para futuros conflitos são plantadas nesse ambiente de informalidade, e, normalmente, se traduzem em situações belicosas apenas no futuro, quando já não existe mais espaço para conciliação e resolução pacífica dos problemas.
Ademais, a informalidade ainda ocasiona problemas quanto à definição de direitos. A alocação de direitos de propriedade fica encoberta pela informalidade, à medida que, antes da estruturação da sociedade, normalmente não há clara delimitação de titularidade dos direitos. Nítido exemplo ocorre com a propriedade intelectual: imagine que uma empresa esteja estruturando-se em torno de uma plataforma digital – que garantirá inúmeras vantagens competitivas – criada conjuntamente pelos fundadores ao longo de diversas reuniões. É praticamente impossível definir e delimitar a contribuição e titularidade sobre o produto. Se um dos fundadores decide abandonar o projeto antes da formalização da sociedade, surge um potencial conflito em torno do ativo mais valioso do negócio. Portanto, esses direitos diluídos pela informalidade geram altos riscos para a companhia.
Por fim, a informalidade societária, ou seja, a ausência de registro do contrato social da empresa, não a impossibilita de assumir obrigações, nem de possuir direitos, mas impede uma separação patrimonial entre o patrimônio pessoal do sócio e o da própria companhia. O risco decorrente da informalidade, nesse caso, é latente: desproteção dos patrimônios pessoais dos fundadores quanto aos riscos do negócio, o que gera desincentivos à assunção de riscos e ao próprio desenvolvimento da ideia.
Neste ponto, é necessário relembrar o disclaimer dado inicialmente: nem tudo na informalidade das startups, principalmente referente ao início da operação, é negativo. Essa abertura decorrente da falta de formalismo permite adaptabilidade e flexibilidade ao negócio: os fundadores podem adaptar-se rapidamente a novas ideias e estruturar melhor o modelo de crescimento a ser seguido. Sobretudo, no início do projeto, é necessário que os objetivos dos fundadores estejam sujeitos à mutabilidade. Nesse sentido, não definir um objeto do contrato social muito específico, por exemplo, pode criar espaço para adaptações importantes para o negócio.
Como melhor aproveitar a informalidade nos estágios iniciais, garantindo a segurança mas sem engessar a companhia?
O dilema apresentado acima é constante dentro de negócios inovadores durante o período inicial: como atacar os malefícios da informalidade sem perder as vantagens que ela traz. Há diversas respostas para essa pergunta, em especial envolvendo startups. Entretanto, há elementos convergentes entre todas as respostas, que são: criação de mecanismos de ação coordenada e mitigação da assimetria informacional. Ambos permitem aos sócios um alinhamento de interesses, convergência de idéias e planejamento para ação estratégica.
Nesse sentido, há um instrumento jurídico ainda pouco conhecido do Direito Brasileiro que serve como resposta para os riscos da informalidade na fase inicial das startups: o Memorando entre Fundadores.
Basicamente, o Memorando entre Fundadores é um documento jurídico utilizado por sociedades ainda não constituídas (sem CNPJ) que visa proteger a futura formação do negócio, por meio da coordenação de interesses e estabelecimento de algumas cláusulas vinculantes entre os fundadores. Nele, os sócios tentam delimitar os aspectos principais do projeto em desenvolvimento, o que é de suma importância para que as expectativas quanto aos rumos da companhia, ainda que não vinculantes, estejam alinhadas. É possível que se comprometam a certas cláusulas, como confidencialidade, não aliciamento e não-competição. Ademais, certas cláusulas podem inclusive delimitar a futura participação societária dos fundadores e a maneira de resolução de impasses nas votações.
Somado a isso, o Memorando entre Fundadores combate uma das maiores mazelas da informalidade: a incerteza quanto à titularidade dos direitos de propriedade, à medida que permite sua cessão para a companhia. Para mais detalhes sobre esse contrato inovador, confira o tutorial que publicamos no blog do Lexio.
Portanto, o Memorando entre Fundadores mostra-se figura essencial para já garantir um grau de segurança para a sociedade, sem minar os benefícios da informalidade em estágios iniciais. Quanto aos riscos jurídicos pelo não registro – como a não separação patrimonial entre fundadores e a própria companhia -, a mitigação ocorrerá com a formalização na junta comercial.
A informalidade no início do negócio não apenas é inerente ao desenvolvimento das startups, mas também traz benefícios. Entretanto, a sujeição ao risco não deve ser feita de forma indiscriminada, e toda mitigação possível e pouco custosa deve ser executada. Nesse sentido, o Memorando de Fundadores é uma solução jurídica eficiente para alinhar os interesses, evitar conflitos e, principalmente, proteger a companhia que está em vias de se formalizar.
Desenvolvedor jurídico e comercial do Lexio.