Fabrício Ramos
outubro 11, 2018
15:00
No momento de abertura de novos negócios, um dos primeiros passos dos fundadores e das fundadoras é definir, subscrever e integralizar o capital social da sociedade. Basicamente, o capital social é o valor necessário para iniciar as atividades da empresa até que ela gere lucro suficiente para se sustentar. Esse valor deve ser depositado (integralizado) pelos sócios e sócias na conta da empresa e, em contrapartida, receberão quotas ou ações.
Normalmente, o aporte de capital por parte dos integrantes da sociedade se dá por dinheiro, o que lhes garante participação societária em troca. Entretanto, a subscrição e posterior integralização podem ocorrer de maneiras diferentes, não somente com dinheiro.
Se analisarmos quem são fundadores de muitas startups – jovens recém-formados, com poucos anos de experiência no mercado de trabalho – é possível presumir que uma certa parcela não terá dinheiro para injetar na companhia. Os grandes atrativos dessas pessoas são a capacidade intelectual e ideias inovadoras, o que, infelizmente, não são reversíveis em integralização do capital social.
Olhando pela ótica da sociedade, é nocivo impedir que um talento não seja sócio pelo simples fato de não possuir recursos próprios para investir no momento fundacional da companhia. Negócios inovadores sempre são arriscados, mas é possível dizer que apostar na capacidade desses talentos de trazerem sucesso para a companhia é um tiro quase certeiro.
Logo, é imprescindível que a criatividade seja usada para superar a escassez de recursos dos futuros sócios.
Ao pensar em alternativas à integralização por dinheiro, a criatividade é fundamental, desde que não contrariem as disposições expressas da lei.
Nesse sentido, uma alternativa que seria possível e muito útil, especialmente para novos negócios, é proibida para a maioria dos tipos societários no Brasil: a integralização por serviços. Ela seria uma maneira de colaboradores contribuírem com o capital social a partir do serviço que prestariam para a sociedade.
Infelizmente, os dois tipos societários mais comumente utilizados pelas empresas brasileiras, as Sociedades Limitadas e as Sociedades Anônimas por Ações vedam que a contribuição para o capital social aconteça através da prestação de serviços. Isso fica claro tanto no Código Civil (Art.1.055, §2º) quanto na Lei das Sociedades Anônimas (Art. 7º).
Tendo em vista que os diplomas legais mencionados proíbem a integralização por serviços, fundadores e fundadoras devem pensar em como driblar esse empecilho jurídico.
Uma maneira simples e, às vezes útil, para os fundadores é integralizar sua participação com bens, seja com um carro ou com um espaço para o negócio.
Entretanto, se considerado o pressuposto inicial, de que os fundadores possuem recursos escassos, é difícil de imaginar que eles consolidariam sua participação a partir da integralização de imóveis, por exemplo.
Mesmo assim, esses ativos, em alguns casos, podem ser alternativas viáveis para alguns colaboradores que estejam dispostos a colocar seu patrimônio imobilizado no negócio.
Há ainda uma maneira mais criativa de gerar opções à integralização por dinheiro: a cessão da propriedade intelectual ou de softwares e produtos criados pelo colaborador.
Se o ativo mais valioso desses colaboradores é, de fato, a inteligência e seu potencial inovador para a empresa, por que não procurar uma maneira de melhor explorar essa capacidade já na integralização de capital?
É possível que um dos fundadores ou um dos colaboradores crie um software que será a base do negócio da empresa, sendo uma contribuição crucial para o desenvolvimentos das atividades da companhia. É de interesse tanto da empresa como do colaborador que essa pessoa esteja integrada ao negócio, inclusive participando como sócio ou sócia através da integralização do capital social.
O software é um bem imprescindível para essa companhia. Reter sua propriedade e direitos sobre sua exploração é de interesse da empresa. Isso evita problemas caso o sócio ou a sócia que o desenvolveu saia do negócio, à medida que os direitos já foram transmitidos para a sociedade.
Dessa maneira, para garantir que um colaborador fundamental ganhe participação societária e que os direitos sobre a propriedade intelectual desenvolvida pelo mesmo sejam transmitidos à sociedade, é possível estabelecer que a integralização do capital social ocorra por meio da cessão de sua propriedade intelectual. Como um software é suscetível à avaliação em dinheiro, legalmente é possível que sócios contribuam com esse ativo.
Há, porém, uma questão de avaliação do valor do ativo. Atribuir um valor justo é importante para premiar o colaborador, mas é preciso que esse referencial sempre seja comparado à quantia correspondente de quotas que essa integralização valerá, para que não cause um desequilíbrio na participação societária.
Entretanto, nem só pontos positivos existem nesse tipo de integralização. Há o risco, caso a empresa não obtenha sucesso, de que a propriedade do software, em eventual liquidação, acabe nas mãos dos credores. Como o software se transformará em um ativo quando for usado para fins de integralização, a empresa pode ter que ressarcir credores transferindo a titularidade de seus direitos sobre esse bem. Dessa forma, é preciso ter clareza sobre os riscos dessa propriedade não ficar sobre o controle nem dos colaboradores nem da sociedade.
Os primeiros passos da companhia são muito importantes para determinar seu sucesso. Quando ela é composta por pessoas compromissadas e que acreditam no projeto, ela terá mais chances de prosperar. Além disso, se a empresa conseguir reter direitos sobre ativos fundamentais para seu funcionamento, como um software, ela se protegerá de eventuais saídas de colaboradores e conseguirá estabilidade. São, conjuntamente, dois fatores importantes para que um negócio decole.
Entretanto, nem sempre é possível garantir que colaboradores estejam engajados e retidos na companhia, nem que a empresa reterá os direitos sobre ativos importantes. Nesse sentido, estabelecer a integralização do capital social, transformando certos colaboradores em sócios, por meio da cessão de direitos de propriedade intelectual soluciona dois problemas de uma só vez, ainda que gere o risco dessa propriedade acabar nas mãos de eventuais credores da companhia caso ela não obtenha sucesso.
Dessa forma, integralizar o capital social por meio da cessão de certos direitos é uma maneira criativa, principalmente quando os sócios não tem dinheiro, de melhor explorar o que os colaboradores têm a oferecer.
Desenvolvedor jurídico e comercial do Lexio.