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Fabrício Ramos

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setembro 12, 2018

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Os desafios da relação cliente-advogado nas startups

Por Fabrício Ramos

A tradicional gama de características das advogadas, como o comportamento de aversão ao risco, a necessidade de um tempo extenso de análise e a cobrança de honorários por hora, serve há anos o mundo da advocacia, e muito bem por sinal. Entretanto, essa lista de ferramentas costuma ser tratada como um postulado, algo que deve ser aplicado a todas as clientes da mesma maneira.

Muitas advogadas parecem não ter entendido ainda que o tratamento para determinados clientes e as habilidades demandadas para solucionar certos problemas não serão sempre as mesmas. Não há espaço para modelos one-size-fits-all: advogadas devem entender a realidade negocial, o cotidiano e os interesses da cliente para oferecerem respostas mais eficientes e certeiras para as demandas impostas.

Dessa forma, advogar para startups requer uma série de habilidades que fogem à concepção tradicional da advocacia. Essas diferenças, por óbvio, perpassam todos os níveis do relacionamento entre cliente e advogada e são refletidas, inclusive, na Proposta de Honorários. A caixa de ferramentas para quem advoga para startups tem que ir muito além de se vestir informalmente para encontrar com a cliente ou ter um escritório que se pareça com uma sala da sede do Facebook.

As tensões da advogada tradicional com a essência das startups

A classe de advogados tradicionais é, muitas vezes, vista mais como um custo do que como uma ferramenta catalisadora para o sucesso das startups. Isso ocorre porque o papel da advogada tradicional está ligado com atitudes que, à primeira vista, aparentam ser obstáculos para o sucesso do negócio: é função dela apontar os problemas legais (como possíveis violações de direitos de propriedade intelectual), frear soluções inovadoras devido ao alto risco inerentes à ideia e cobrar de uma empresa, normalmente com poucos recursos, os honorários pelo serviço. A própria diferença de linguagem, de entendimento sobre o negócio alheio e de experiência acabam afastando advogadas e clientes, deteriorando a relação e criando obstáculos para a prestação de serviço taylorizada que as startups precisam.

Além disso, o que empreendedoras e suas advogadas entendem como conceito de tempo não é igual. Se tempo é inimigo das startups, que precisam de soluções rápidas para problemas urgentes, já que enfrentam novidades diárias; tempo é crucial para a advogada fazer uma análise eficiente sobre os riscos do negócio e oferecer opiniões jurídicas mais fundamentadas. As velocidades e a dinâmica do dia-a-dia criam uma clara tensão entre a advogada e a cliente.

Por fim, há sempre uma questão muito sensível na mesa: a remuneração, que se traduz pela Proposta de Honorários. Startups tem bolsos curtos: diversos projetos a fazer, pagamento de funcionários e novas oportunidades sempre surgindo. Dessa forma, startups demandam respostas rápidas, acompanhadas, porém, de longas explicações devido à falta de experiência das clientes. Assim, o custo com advogadas raramente aparece entre as prioridades.

Em contrapartida, advogadas que utilizam o tradicional modelo de cobrança por hora possuem um conflito de interesses com as clientes: ao passo em que as clientes  não têm tantos incentivos para dedicar parte desse tempo à comunicação eficiente com as advogadas (aumentando a distância do relacionamento entre ambas), as advogadas carecem de incentivos voltados para a criatividade e produtividade, uma vez que, no fim do dia, as horas trabalhadas contam mais do que o volume e a qualidade de trabalho. Nesse sentido, boas advogadas ainda podem estar abrindo mão de outras oportunidades, em que receberiam mais, para se dedicar às startups, cujo retorno financeiro é muito mais arriscado.

Claro que o valor de uma boa assessoria jurídica em estágios iniciais da companhia é inestimável, já que boas soluções jurídicas tendem a garantir estabilidade, a evitar conflitos por meio do alinhamento de expectativas e interesses, além de criar novas oportunidades de negócios. Exatamente por isso, que é necessário que as advogadas vendam bem seu peixe e mostrem o quão necessário podem ser, o que implica, de certa forma, em uma reinvenção do papel do advogado.

Muito mais do que usar jeans e camisa xadrez: as ferramentas dos advogados das startups

Claro que se adaptar visualmente à cliente é uma interessante maneira de estreitar laços, mas, por si só, é insuficiente para criar as estruturas de uma parceria negocial que visa persistir ao longo prazo. Uma advogada de startup deve utilizar várias outras ferramentas para melhor lidar com as demandas da cliente.

Clareza e comunicação: valorizando as diferenças

Muitas vezes, empreendedoras nunca tiveram contato com o mundo jurídico antes de criar a startup. Por isso, é crucial para a advogada deixar claro o que ela está fazendo e a razão por trás da sua atividade, permitindo um alinhamento das expectativas entre as partes. Além disso, é preciso dedicar tempo para tirar dúvidas e explicar o básico da parte jurídica. Essas simples ações, além de agregar valor para a empreendedora, transformam a relação entre as partes: a empreendedora passa a confiar mais e atribuir valor à tarefa jurídica, o que cria um local propício à conversa franca, diminuindo a assimetria informacional.

Em contrapartida, para a advogada conseguir valorizar mais a cliente, é preciso se inteirar e conhecer a fundo o negócio que assessora. Isso pode ser hercúleo em negócios disruptivos, mas é fundamental entender as nuances da atividade da cliente para que as melhores soluções jurídicas podem ser desenhadas e respostas eficientes sejam elaboradas.

Gestão de riscos, multifuncionalidade e flexibilidade

A advogada de startups deve ser mais do que uma simples mitigadora de riscos: ela precisa, a partir do conhecimento profundo do negócio, ser capaz de assessorar em questões pontuais e até usar o risco para criar soluções inovadoras.

Ademais, conhecer as diversas áreas do direito é fundamental. Ser generalista e saber opinar sobre matérias diversas (desde tributário até contratos) permite um tratamento mais adequado às demandas das startups; afinal é muitas vezes imprevisível saber o que o dia de amanhã trará como desafio. Isso é intrínseco à necessidade por flexibilidade das startups, já que a advogada disposta a atuar com esse tipo de empresa precisa ser criativa e pensar em modos diferentes para solucionar problemas que ela nem sabe que existem ainda.

Entretanto, mesmo com essas ferramentas à disposição, há ainda a delicada questão de cobrar honorários. Felizmente, a advogada que está disposta a se reinventar pode utilizar essas habilidades já na hora de inventar maneiras de cobrança de honorários.

Como cobrar de quem muitas vezes não tem? Usando as novas ferramentas

Startups, mesmo com suas limitações financeiras e recursos escassos, não deixam de ser empresas. A advogada não pode, benevolentemente, deixar de tratá-las assim. No entanto, é preciso, sim, levar em conta a realidade, o estágio de desenvolvimento e o potencial de crescimento da companhia no momento da formação da parceria. Isso implica em flexibilizar e questionar postulados da tradicional cobrança advocatícia, em especial o modelo de cobrança por horas.

Como já mencionado, a remuneração por horas cria desincentivos de comunicação e de produtividade, o que gera comportamento oportunístico por parte das advogadas. Em resposta, há um afastamento do negócio da cliente, dificultando a criação de soluções jurídicas eficientes. Sendo assim, é essencial que a advogada pense em alternativas para esse sistema inadequado.

Alternativas à remuneração por hora: oferecendo flexibilidade para as partes

Se é pressuposto para a advogada de startups usar a criatividade na assessoria dessas empresas, é inquestionável que o modelo de remuneração também deve ser repensado. Nesse sentido, há algumas soluções possíveis.

Inicialmente, por entender que o negócio da cliente ainda está em fases iniciais, a advogada pode oferecer descontos ou estruturar um sistema deferido de remuneração, condicionados a determinado evento futuro. Aceitar pagamentos em mais tempo não só facilita a cliente, mas também demonstra que a advogada entende as necessidades do negócio e está apostando junto com a empresa no crescimento. A atmosfera criada a partir dessa interação resultará em um ambiente mais estreito entre cliente-advogada, o que pode cortar os custos de comunicação entre as partes. Se a cliente entender que a advogada, de alguma maneira, está sujeita aos riscos do negócio e está apostando no crescimento da empresa, a cliente considerará cada vez menos a parte jurídica como um custo, e sim como uma maneira crucial de potencializar o negócio.

Além disso, há sempre que se pensar na lógica do custo-benefício; afinal trata-se de uma relação empresarial. A advogada pode preferir um sistema de compensação fixo, no qual as expectativas estão mais alinhadas. Esse esquema permite uma maior fiscalização por resultados e por produção, já que o cumprimento de metas transmite de maneira mais realista o desempenho da contraparte, se comparado com a estrutura de horas.

Especialmente em negócios que envolvam uma participação crucial do setor jurídico (como atividades altamente regulamentadas, por exemplo), há ainda a possibilidade de remunerar a advogada com alguma forma de participação societária. Isso, além de deferir a remuneração, cria mais incentivos para um assessoramento jurídico mais personalizado. No entanto, cabe aqui ressalvar que o Direito Brasileiro proíbe a integralização de quotas em sociedades limitadas mediante a prestação de  serviços, (art.1.055, §2º do Código Civil) exigindo que esse tipo de operação seja feita por meio da compra (a valor simbólico) de quotas já integralizadas por algum sócio. Para mais detalhes sobre esse tipo de operação, confira o contrato de Vesting, já disponibilizado em nossa plataforma.

Conclusão

A advogada de startups não pode ser a mesma que assessorava as grandes empresas. Se é necessário repensar a maneira de se relacionar com a clientela, não há razões para não estruturar novos modelos de cobrança de honorários que também atendam melhor às necessidades das startups. Nesse sentido, a Proposta de Honorários deve ser cada vez mais pensada na lógica do negócio a ser assessorado, refletindo as obrigações e dividindo estrategicamente as responsabilidades e incentivos para a advogada; mesmo que isso signifique abandonar o sistema tradicional de cobrança por horas.

Fabrício Ramos

[email protected]

Desenvolvedor jurídico e comercial do Lexio.

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