Rafael Docampo
novembro 08, 2018
18:41
Um contrato que vem recebendo especial atenção dentro do ecossistema das startups é o contrato de vesting. Por meio dele, empresas oferecem a colaboradores uma determinada participação societária que só poderá ser realizada conforme as atividades na empresa sejam desenvolvidas ao longo do tempo. Esse tipo de contrato é especialmente interessante para startups e empresas que necessitam de mão-de-obra qualificada, mas que contam com baixo orçamento para pagar altos salários. Assim, para compensar o déficit salarial, essas empresas prometem participação societária para os colaboradores, com o objetivo de reter esses talentos.
Por ser um instrumento inovador e atrativo no ordenamento jurídico brasileiro, muitos empreendedores e empreendedoras acabam querendo assinar contratos de vesting. Esse interesse é compreensível e indica, positivamente, que o mercado está de olho nas inovações jurídicas. Entretanto, há dois pontos negativos nessa insistência: (i) nem todo mundo entende o impacto que os contratos de vesting podem causar no quadro societário da empresa, nem como investidores avaliam esses exageros; e (ii) existe mais de uma forma contratual de se concretizar um vesting e conhecê-las é essencial para aplicar apenas aquelas que fazem sentido para a realidade da empresa e do colaborador.
A seguir, trataremos de cada um desses problemas e de suas respectivas soluções contratuais.
De fato, o vesting é um modo eficiente de atrair e manter pessoas com habilidades essenciais ao desenvolvimento da empresa. Contudo, esse tipo de contrato não é (e nem deveria ser) infalível. Todos os dias, multinacionais fazem propostas irrecusáveis a colaboradores habilidosos, que abrem mão de suas posições nas startups durante o período de vesting.
A menos que o colaborador acredite muito no futuro do projeto, será difícil competir com a estrutura e os planos de carreira proporcionados pelas grandes empresas. Dessa forma, aumentar a participação do colaborador, por si só, não surtirá os efeitos desejados. Ao contrário, prejudicará a companhia, na medida em que pode causar uma diluição descontrolada da participação societária dos fundadores e que, no pior dos cenários, não garante a permanência do colaborador na empresa.
Com o passar do tempo, a distribuição indiscriminada de contratos de vesting para colaboradores pode gerar o que se chama de “lodo do captable”, isto é, a pulverização de uma parcela significativa do quadro societário entre pessoas que já não fazem parte da empresa. Quanto mais pulverizado estiver o quadro societário da empresa, mais difícil será captar investimentos, via equity, uma vez que ficará mais difícil para os investidores lidarem com os direitos dos minoritários vestidos ou construir maiorias para a tomada de decisões. Por esse motivo, os principais fundos de investimento exigem que as empresas criem programas de vesting que não ultrapassem 10% (ou, quando muito, 15%) de participação societária como condição para o recebimento dos investimentos.
Para evitar o acúmulo de participação societária entre pessoas não vinculadas à sociedade, os contratos de vesting podem se valer de duas mecânicas importantes:
A primeira solução se traduz na previsão contratual de que, se o colaborador deixar voluntariamente a sociedade, poderá adquirir apenas uma parcela da participação a que teria direito pelo período em que permaneceu na sociedade.
Porém, o remédio mais eficiente para acabar com esse problema é a previsão de uma cláusula de recompra. Em qualquer hipótese de saída do colaborador, a cláusula de recompra garante que a sociedade tenha o direito de readquirir a participação vestida pelo colaborador. Assim, o colaborador sai da companhia com um bônus em dinheiro, mas o controle do quadro acionário permanece sob a rédea dos fundadores.
Como vimos, o vesting é uma solução estrangeira que foi incorporada pela prática jurídica brasileira, por meio de dois contratos: opção de compra ou opção de subscrição.
Quando uma empresa é fundada ou emite novas ações/quotas, é necessário que uma pessoa (física ou jurídica) adquira essa participação. Quando alguém paga a empresa para receber ações ou quotas (seja em dinheiro, bens ou direitos), diz -se que as respectivas ações/quotas foram integralizadas.
No contexto das pequenas empresas e startups, o contrato de vesting é utilizado, na maioria das vezes, com o objetivo primário de tornar a permanência do colaborador mais vantajosa do ponto de vista econômico. Por isso, a aquisição de participação societária deveria ocorrer por um preço simbólico. Contudo, nas sociedades limitadas, todas as quotas da empresa devem ter, obrigatoriamente, o mesmo valor de integralização, impossibilitando a aquisição originária dessas quotas por um preço simbólico. Isso significa que, se um colaborador quiser adquirir novas quotas, que acabaram de ser emitidas pela sociedade, ele terá que desembolsar uma quantia de dinheiro que provavelmente não tem. Para solucionar esse problema, é recomendado que a entrada dos colaboradores ocorra a partir da compra de quotas que já foram integralizadas por outro sócio. Assim, o vesting poderá fugir do valor nominal das quotas e fixar um preço simbólico de aquisição.
Infelizmente, não. O artigo 1.055 do Código Civil proíbe expressamente essa prática. Nesse sentido, o uso da Opção de Compra soluciona esse problema, ao permitir a fixação de um preço simbólico das quotas.
Já nas sociedades anônimas, a situação é um pouco mais flexível. Isso porque é possível que se crie uma classe diferenciada de ações, cujo custo de aquisição não reflete os benefícios econômicos e políticos que ela confere dentro da companhia. Dessa forma, para as sociedades anônimas, operacionalizar o vesting através de uma opção de subscrição parece muito mais interessante. Afinal, ao invés de trocar a titularidade de ações, novas ações estão sendo criadas, “aumentando o bolo” do quadro acionário.
Outro problema enfrentado por empreendedores que usam contratos de vesting é o entendimento da Receita Federal no sentido de que a aquisição de participação societária integraria parte da remuneração do colaborador e que, por esse motivo, deveria ser tributada como tal. Para evitar esse tipo de interpretação, é comum que se assine o que se chama de “vesting invertido”. Nesses contratos, ao invés de o direito de aquisição de participação, pelo colaborador, crescer paulatinamente, é o direito de recompra da sociedade (fixado, normalmente, a preços simbólicos) que diminui com o passar do tempo.
Como vimos, é positivo que o vesting venha ganhando reconhecimento dentro do ecossistema das startups. Entretanto, se isso não vier acompanhado de um entendimento dos benefícios e das utilidades do contrato, essa disseminação do vesting não pode ser vista apenas como positiva. Para conhecer, ponto a ponto, quais são as principais variáveis e mecânicas dos contratos de vesting, experimente criar um no Lexio!
Desenvolvedor de conteúdo jurídico do Lexio. Possui experiência em consultoria jurídica nas áreas civil e empresarial, com ênfase em contratos, responsabilidade civil e direito societário.